sábado, 27 de fevereiro de 2010

EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS E SOLIDÁRIOS: AMBIENTES DE INOVAÇÃO OU DE TECNOLOGIA SOCIAL?

Artigo apresentado no III Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade, em Curitiba, novembro de 2009.


INTRODUÇÃO
A compreensão do que seja inovação é fundamental para o propósito deste artigo. Partimos do conceito utilizado na Lei no. 10.973, de 2.12.2004, que regulamenta a Lei de Inovação, no Brasil, que diz: “introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços”. Aparentemente, o conceito é bastante simples e transparente, no entanto, em todo o texto da Lei, não é possível perceber proximidade com as diferentes realidades e necessidades colocadas nos ambientes dos empreendimentos econômicos e solidários (EES) que apresentaremos aqui.
Utilizaremos o conceito de EES por ser esse o adotado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que compreende:
Organizações coletivas e suprafamiliares, permanentes, como associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, entre outras, cujos participantes são trabalhadores dos meios urbano e rural que exercem a autogestão das atividades e da alocação dos seus resultados. [...] Economia Solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem. (MTE/SENAES, 2009).
Retornando à ideia de inovação, Habermas nos aponta uma visão crítica do conceito:
Só a partir do momento em que o modo de produção capitalista dotou o sistema econômico de um mecanismo de regras para o crescimento da produtividade do trabalho, crescimento que, embora sujeito a crises, revela-se contínuo em longo prazo, é que a introdução de novas estratégias, a inovação, como tal, foi institucionalizada. (HABERMAS, 1983, p. 324).
O texto de Habermas, de 1968, Técnica e Ciência enquanto “Ideologia”, nos remete ao enquadramento do conceito de inovação voltado, exclusivamente, aos processos de acumulação capitalista, idéia de inovação bastante distante dos processos e objetivos relacionados aos propósitos de construção coletiva, participativa e solidária aos quais os EES estão alicerçados.
Segundo Feenberg (2008), Habermas apresenta uma visão instrumentalista da tecnologia, com uma abordagem que “implica que em sua própria esfera a tecnologia é neutra, mas que fora desta esfera causa as várias patologias sociais que são os problemas principais das sociedades modernas” (FEENBERG, 2008, p. 17). É importante ressaltar que toda ação humana é carregada de valores, interesses e decisões, da mesma forma, a definição de se utilizar essa ou aquela tecnologia carrega sentidos explícitos e de não neutralidade.
No entanto, corretamente, é no contexto da abordagem pontual de Habermas, descrita acima, que direciona e subordina a inovação ao processo de acumulação capitalista, processo este que causa uma das piores patologias sociais: a desigualdade. É com esse raciocínio que se percebe contraditória e equivocada a aplicação do conceito de inovação sobre os processos de geração de trabalho e de riqueza constituídos a partir de EES.
Os EES são ambientes de produção e de desenvolvimento coletivos não capitalistas, que trazem características próprias, como: o senso de confiança e de respeito no grupo; a necessidade de democracia participativa; a definição de direitos e deveres de acordo com as condições e possibilidades de cada sujeito ou comunidade. Esses aspectos estão relacionados diretamente com o resultado do trabalho, que é partilhado entre todos de forma equânime.
Pode-se perceber que o modo de funcionamento e de envolvimento dos participantes em EES, que visam à geração de trabalho e renda, inscreve-se nos pressupostos do conceito da tecnologia social (TS), conforme definido pela Fundação Banco do Brasil (FBB), em sua página eletrônica: “tecnologia social compreende produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social”.
Dagnino (2009) propõem um paralelo entre os conceitos da tecnologia capitalista e da tecnologia social:
Em termos conceituais, a particularização do conceito genérico de tecnologia para o contexto socioeconômico capitalista leva à seguinte definição de TC [Tecnologia Capitalista]. Ela é o resultado da ação do empresário sobre um processo de trabalho que, em função de um contexto socioeconômico (que engendra a propriedade privada dos meios de produção) e de um acordo social (que legitima uma coerção ideológica por meio do Estado) que ensejam, no ambiente produtivo, um controle (imposto e assimétrico) e uma cooperação (de tipo taylorista ou toyotista), permite uma modificação no produto gerado passível de ser por ele apropriada.
Ao proceder de maneira análoga, podemos conceituar TS [Tecnologia Social]. Ela seria o resultado da ação de um coletivo de produtores sobre um processo de trabalho que, em função de um contexto socioeconômico (que engendra a propriedade coletiva dos meios de produção) e de um acordo social (que legitima o associativismo), os quais ensejam, no ambiente produtivo, um controle (autogestionário) e uma cooperação (de tipo voluntário e participativo), permite uma modificação no produto gerado passível de ser apropriada segundo a decisão do coletivo. (DAGNINO, 2009, p. 103).
Corroborando com Dagnino, os conhecimentos aplicados no EES são desenvolvidos e assimilados coletiva e socialmente, tornando os seus participantes protagonistas do processo de ensino e aprendizagem das técnicas, na autogestão e definição dos rumos do empreendimento e na capacidade de desenvolver, implementar e retroalimentar o processo sociotécnico, elementos constitutivos e fundantes da TS.

OS EES DA CAJUCULTURA E DA APICULTURA
Os empreendimentos econômicos e solidários (EES) aqui tratados são a Central de Cooperativas Apícolas do Semi-Árido Brasileiro (Casa Apis), e a Central de Cooperativas de Cajucultores do Estado do Piauí (Cocajupi). Ambas as centrais são cooperativas de segunda geração, complexas, quer dizer, a sua formação e existência se dá pela associação de outras cooperativas de base, singulares. O surgimento das centrais aconteceu a partir de 2003, quando houve um direcionamento de investimentos sociais e políticas públicas para segmentos da sociedade priorizados pelo programa Fome Zero do Governo Federal, como, indígenas, quilombolas e, no caso em questão, os agricultores familiares assentados da reforma agrária.
Para viabilizar essas novas cooperativas houve uma articulação institucional, com investimentos de recursos financeiros, políticos, de conhecimento e de gestão, entre diversas entidades que aportaram ao projeto, para promoção do desenvolvimento das cadeias produtivas da apicultura e da cajucultura, junto a agricultores familiares do estado do Piauí. Entre essas instituições estão a Fundação Banco do Brasil (FBB), o Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Fundação Interuniversitária Unitrabalho, a Organização Intereclesiástica da Holanda (ICCO) e, mais recentemente, a União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Social do Brasil (Unisol Brasil), além de diversas outras instituições e órgãos de governos que apoiaram a iniciativa.
A base social desses empreendimentos é bastante significativa: a Casa Apis tem dez cooperativas filiadas que, juntas, representam 600 famílias de agricultores que produzem e colhem mel, conhecidos como apicultores. A Cocajupi também conta com dez cooperativas singulares filiadas, com uma base de associados na ordem de 500 famílias de produtores de caju, chamados cajucultores.
O processo produtivo realizado é baseado no cooperativismo entre os trabalhadores, com o objetivo e atuar em toda a cadeia produtiva, desde a produção primária, passando pelo beneficiamento do produto, até o processamento, embalagem e comercialização final. Os meios coletivos de produção da Casa Apis são formados por vinte casas do mel, onde ocorre o primeiro beneficiamento, sob a coordenação das cooperativas e associações de base. Essas unidades produtivas de mel estão espalhadas em dezenas de pequenas comunidades rurais em diversos municípios do Piauí e do Ceará.  Posteriormente, a produção primária segue para o processamento e embalagem na Unidade Central de Processamento do Mel, que fica na cidade de Picos, gerida pela Casa Apis. A capacidade de produção da Central é de 2.000 toneladas de mel/ano. No primeiro ano de funcionamento, foram processadas mais de 500 toneladas, o que garantiu a sua classificação como uma das maiores exportadoras de mel do Piauí.
O mesmo modelo de produção em toda a cadeia produtiva ocorre na cajucultura. As cooperativas singulares são responsáveis pelo primeiro tratamento das castanhas de caju em dez minifábricas de beneficiamento, localizadas em diferentes municípios piauienses. Em seguida, a produção é encaminhada a Picos, para finalização e embalagem na Unidade Central de Processamento da Cajucultura, sob gestão da Cocajupi.
O critério de reaplicabilidade, colocado no conceito de TS pela FBB, está muito presente no processo da cajucultura. Hoje, o mesmo desenho produtivo de dez minifábricas interligadas por uma central de processamento que acontece no Piauí, com atuação em toda a cadeia produtiva, também ocorre nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia, modelo sociotécnico potencial de se tornar política pública, com o objetivo de gerar trabalho e renda.

CONSTRUÇÃO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA TECNOLOGIA
Os processos de melhorias e adaptações dos sistemas e tecnologias em ambas as cadeias produtivas acontece tanto nas unidades de produção primária, casas do mel e minifábricas de beneficiamento de castanha de caju, quanto nas unidades centrais de processamento final. A implantação das casas do mel foi fundamental para se estabelecer um padrão de qualidade e sanidade do produto, de acordo com as orientações da Embrapa Meio-Norte:
Para que se possa manipular produtos alimentícios de forma higiênica e segura, garantindo ao consumidor a qualidade do produto final, é indispensável que esses procedimentos sejam realizados em instalações e condições adequadas, específicas à classe de produtos a serem processados. No caso do mel, o local destinado para a sua extração chama-se de unidade de extração, normalmente denominada "Casa do Mel". Para o seu processamento, o local indicado é o Entreposto de Mel, embora essa etapa possa ser executada também na casa do mel, caso esta apresente as condições e o dimensionamento recomendado. (EMBRAPA, 2003).
A assimilação e utilização dessa tecnologia, que consiste no uso de ferramentas já de domínio e conhecimento dos apicultores, só que agora num espaço único, limpo e organizado, garante um resultado antes não encontrado, porque o beneficiamento primário como anteriormente realizado, em ambiente externo, ao ar livre, geralmente, comprometia o mel com contaminações e sujeiras.
Da mesma forma, a implantação das minifábricas de beneficiamento de castanha de caju, tecnologia social desenvolvida pela Embrapa Agroindústria Tropical do Ceará, em sintonia e apropriação por parte dos agricultores, trouxe agregação de valor à produção, de acordo com os objetivos e propósitos da tecnologia social descritos na página eletrônica das TS certificadas pelo Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, em 2001:
A tecnologia visa organizar minifábricas na configuração de um Módulo Agroindustrial Múltiplo de Processamento de Castanha de Caju. O modelo atende as unidades que adotam o processo e linha de equipamentos desenvolvidos pela Embrapa com a iniciativa privada, com a formação de um pool de minifábricas e a implantação de uma unidade central responsável pelo fornecimento da castanha previamente classificada e posterior recebimento da amêndoa pré-selecionada para a realização das etapas de acabamento, embalagem e comercialização. A tecnologia permite articular agentes produtivos com interesses comuns, ultimando superação de pontos críticos do processamento, com o aumento em 50% de amêndoas inteiras. [...] O processo permite a obtenção de 88% de amêndoas inteiras, o que representa quase o dobro de inteiras do processo industrial das grandes fábricas; toda a castanha industrializada no Módulo tem origem na comunidade. (BTS, 2001).
O processo produtivo por meio das minifábricas não só garante maior qualidade, com a obtenção de amêndoas inteiras e com coloração padrão, o que permite a agregação de renda junto à comunidade. Cada minifábrica é abastecida pela produção média de 50 famílias. Os trabalhadores das minifábricas são da própria comunidade, formados por jovens e mulheres de famílias de cajucultores, envolvendo 20 pessoas, em média, por minifábrica. Para se ter uma dimensão da agregação de valor, cinco quilos de castanhas in natura, a um custo médio de R$ 1,00 o quilo, resulta em um quilo de amêndoas processadas, a um preço médio de R$ 13,00. Caso essa amêndoa seja embalada e fracionada para o mercado final, esse valor quase dobra.
Esse processo tecnológico, com participação social, é algo novo e que precisa ter uma atenção especial, principalmente, como possibilidade de reaplicar essa TS como política pública, envolvendo populações pobres de agricultores familiares, principalmente com assentados da reforma agrária, no Nordeste brasileiro. Ricardo Neder destaca as experiências dessa natureza:
O movimento pela inovação sociotécnica ou tecnologia social nos obriga a fazer ciência & tecnologia e inovação por meio do fomento às formas de coordenação e integração em cadeias produtivas, aglomerados e arranjos produtivos locais (APL) inovativos, economia solidária e formas associativas. Esses ambientes passam a ser mais relevantes do que atuar com empresas isoladas. (NEDER, 2009, p. 41).
Assim como existe uma interação técnica e social nas unidades de produção primária e nas centrais de processamento, tanto na do mel quanto na de caju, há também um acompanhamento e um processo de adaptações sistemáticos por parte dos produtores sobre o modo produtivo, de acordo com as condições e demandas. Um caso, por exemplo, na central de processamento de castanha de caju: no final da safra diminuiu a quantidade de amêndoas enviadas pelas minifábricas o que fez com que o processo produtivo fosse alterado, com a retirada de uma esteira de seleção e classificação, passando para uma operação manual e mais efetiva. A retirada de uma máquina, em substituição a um processo manual, apresenta total contradição com o conceito ampliado de inovação, o que nos remete à abordagem do construtivismo social da tecnologia:
Assim, as tecnologias e as teorias não estariam determinadas por critérios científicos e técnicos. Haveria geralmente um excedente de soluções factíveis para qualquer problema dado e seriam os atores sociais os responsáveis pela decisão final acerca de uma série de opções tecnicamente possíveis. Mais do que isso: a própria definição do problema frequentemente mudaria ao longo do processo de sua solução. Ou seja, as tecnologias seriam construídas socialmente no sentido de que os grupos de consumidores, os interesses políticos e outros similares influenciam não apenas a forma final que toma a tecnologia, mas seu conteúdo. (NOVAES e DIAS, 2009, p. 37).
A Casa Apis tem as suas peculiaridades sociotécnicas. A unidade central de processamento de mel tem uma área construída de mais de dois mil metros quadrados, com boas instalações e equipamentos. Porém, todo o desenho da planta industrial, desde o projeto até o acompanhamento da obra e instalações foram realizados pelos dirigentes da Central, coordenados por Leopoldino Dantas, conhecido como Sitonho, autodidata convicto, também presidente da Federação das Entidades Apícolas do Piauí.
Mais de 90% das máquinas e equipamentos utilizados na unidade foram produzidos na própria cidade de Picos, na metalúrgica Apiagro Ltda., pertencente a seu Genival Passos, um doutor da vida, com formação primária, mas com muitos conhecimentos e saberes locais. Uma das maiores e primeiras máquinas do processamento do mel é a utilizada para promover o equilíbrio da umidade; toda em aço inox, acoplada de lâminas giratórias. A máquina, projetada pelos cientistas Sitonho e Genival, é uma das únicas desenvolvidas no Brasil que faz esse processo a frio, o que garante maior qualidade ao mel.

EES: AMBIENTES DE TS
A experiência das duas centrais de cooperativas, uma na cadeia produtiva do caju e outra na do mel, apresenta evidências que apontam esses espaços produtivos e de desenvolvimento social como ambientes de TS, com disputas e desafios constantes na sociedade. Essa perspectiva fica distante da percepção de que os EES sejam espaços de inovação, onde aparece a ideia de que há uma evolução e linearidade contínuas da tecnologia, como sendo uma situação inexorável, o que nos remete a uma visão determinista do processo tecnológico, conforme aponta Dagnino:
O determinismo tecnológico se apóia na hipótese de que as tecnologias têm uma lógica funcional autônoma que pode ser explicada sem referência à sociedade. A tecnologia é entendida com social só em função do propósito a que serve e possui imediatos e poderosos efeitos sociais. Segundo o enfoque determinista, o destino da sociedade dependeria de um fator não-social, que a influenciaria sem sofrer uma influência recíproca. Isto é, o progresso seria uma força exógena que incidiria na sociedade, e não uma expressão de valores e mudanças culturais. (DAGNINO, 2008, p. 81).
 Os processos inovativos clássicos e modernos geralmente trazem na sua construção elementos de complicação e saturação técnica, envolvendo novas máquinas ou sistemas, distantes do conhecimento e domínio dos usuários, o que leva ao determinismo tecnológico, por constituir espaços próprios de domínio da ciência. Diferentemente, as TS se apropriam de processos e conhecimentos milenares, técnicas e saberes populares, a exemplo das cisternas de placas, largamente utilizadas no semiárido brasileiro já como política pública, que coletam a água da chuva para o seu uso na época da estiagem. Essa é uma TS que é desenvolvida pela comunidade, com ampla apropriação e disseminação pelos usuários, o que nega a determinação da tecnologia e privilegia o seu controle pela sociedade.
Outros elementos característicos de TS nas centrais de cooperativas relacionam-se com as estruturas políticas externas, fundamentais para o funcionamento dos dois EES, que são o Comitê Gestor (CG) de cada cadeia produtiva e a estrutura de ação dos Agentes de Desenvolvimento Rural Sustentável (ADRS).
   O CG é uma espécie de conselho consultivo dos empreendimentos, mas que vai além apenas do aconselhamento. Participam do Comitê de cada cadeia produtiva representantes dos EES de base; as instituições que promovem investimentos financeiros, políticos e de suporte a gestão, além de outras organizações públicas, privadas e governamentais que interagem diretamente com os empreendimentos.
Os ADRS são, na maioria jovens, indicados pelas próprias comunidades de origem, capacitados para realizarem o acompanhamento técnico dos apiários, locais onde ficam as caixas de abelha, e das casas do mel.  Esse modelo de agentes segue o que propõe o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), porém, com uma forte ênfase na dimensão do diálogo e da mobilização social com os agricultores familiares.
Os ADRS estabelecem uma relação de comunicação direta e cotidiana, de solidariedade e parceria, auxiliando os produtores na resolução de pequenos problemas, promovendo um acumulo de saberes entre o técnico e o prático, o que depois será socializado nos encontros periódicos entre os agentes.
A dimensão da comunicação promovida pelos ADRS tem sintonia com uma estratégia mais ampla, cujo propósito é o de fortalecer institucionalmente os EES e de promover a coesão e a participação social dos produtores, tornando-os conscientes de seu papel protagonista na definição dos rumos dos EES.
Os ADRS e o CG dos EES também se constituem enquanto TS, à luz do que indica Maíra Baumgarten:
A idéia de intervenção sociológica nas situações sociais, implícita no conceito de técnicas sociais (Mannheim, 1982) é ampliada, contemporaneamente, através do conceito de tecnologias sociais, para uma idéia de intervenção da ciência e tecnologia no sentido de resolver problemas sociais, a partir da expressão de necessidades e carências sociais e com o concurso das coletividades atingidas. Esse ponto de vista permite retomar a idéia de planejamento estratégico como ação coletiva que busca caminhos para o comportamento humano e para as relações sociais através de estruturas capazes de assegurar a dignidade humana e a sustentabilidade social e natural. Em tal conceito de tecnologia social a técnica pode ser tomada como um instrumento de emancipação social e não como meio de dominação, forma de controle ou causa de exclusão social. (BAUMGARTEN, 2008, p. 106).

A partir da análise dos conceitos de inovação e de TS estabelecidos e relacionados com os EES aqui tratados, podemos apontar algumas diferenciações e paralelos, conforme listados abaixo:
Questões
Inovação
Tecnologia social
O quê?
Introdução de novidade ou aperfeiçoamento em produtos ou serviços - específico.
Criação ou reconfiguração de produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis - escala.
Como acontece?
Pontual – estanque. Determinado processo.
Interação social – dinâmico e dialógico (conhecimento técnico mais saber popular).
Onde ocorre?
Na produção.
Em todas as fases, desde a mobilização, organização, produção e participação dos resultados sociais.
Quem participa da realização?
Produtores.
Todos os envolvidos.
Por quê?
Para quê?
Novos produtos, processos ou serviços.
Transformação social.
Para quem?
Quem se apropria?
Capitalista – indivíduo.
Sociedade – coletivo.
A visão de inovação que trazemos aqui tem um paralelo direto com o conceito da tecnologia capitalista, apontado por Dagnino. Os processos de inovação estão diretamente relacionados aos ganhos de escala para a melhoria da produtividade, porém, a sua apropriação ocorre, diretamente, pelo capitalista. A inovação acontece de forma isolada, muitas vezes, sem a participação coletiva dos produtores, apenas estabelecida pelo indivíduo ou grupo restrito daqueles que participam de um processo produtivo específico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A nova realidade social de inúmeras comunidades e territórios Brasil afora, a partir de investimentos em processos produtivos que valorizem os fazeres e culturas locais tem mostrado que é possível e viável a construção de uma forma de desenvolvimento que combina a promoção dos elementos econômicos, o desenvolvimento social e o cuidado com o ambiente. Os casos aqui relatados, das cadeias produtivas da cajucultura e da apicultura no estado do Piauí, caminham na direção de se constituir e consolidar um processo possível de desenvolvimento sustentável, utilizando tecnologias sociais.
Com esta breve reflexão, não pretendemos construir uma barreira ao diálogo com os autores que tratam do conceito de inovação por dentro das concepções sociais, apenas adjetivando o termo como “inovação social”. O que pretendemos com este artigo é construir alguns elementos para um novo diálogo, que abra a possibilidade para que possamos substantivar uma nova idéia/conceito que esteja mais próxima da realidade, fruto da interação social que acontece hoje, a exemplo dos EES que vimos aqui, e que nos apresentam equações e novos desafios no campo da ciência, de maneira interdisciplinar. 
Assim, entendemos que a dinâmica dos agentes sociais envolvidos nos EES, tanto os próprios agricultores quanto os representantes das instituições parceiras dos empreendimentos, que buscam soluções, por meio de técnicas e processos complexos, a exemplo dos ADRS e da própria constituição organizacional, como os Comitês Gestores das centrais, definem aquele espaço como um ambiente propício de geração de conhecimento, implementação de novos métodos, interação e construção social, elementos fundamentais da TS e que constroem a transformação social.
Uma compreensão possível para se estabelecer, a partir daquelas duas cadeias produtivas, é de que a solução para um modelo de desenvolvimento regional acontece de forma endógena, quer dizer, está no próprio território, por considerar que o caminho para a melhoria da vida daquelas comunidades não passa pela instalação de uma planta industrial automobilística, por exemplo, até porque a crise capitalista não permite e, do ponto de vista ambiental torna-se inviável. É necessário promover as qualidades e culturas locais, com as do caju e a do mel, entre outras potencialidades do território, para aí sim estabelecer uma nova relação com o ambiente e gerar as riquezas necessárias à sociedade.   
A perspectiva do construtivismo e de participação social, que estabeleça a “abertura da caixa preta da tecnologia” e dos “códigos técnicos”, como elaborado por Feenberg, é o caminho possível para responder aos desafios colocados às duas centrais aqui exemplificadas e ao desenvolvimento sustentável, de maneira mais ampla.
A produção potencial da Casa Apis, que pode representar 20% de todo o mel do Nordeste e; da mesma forma, a estratégia dos cajucultores da agricultura familiar que, em médio prazo, podem estabelecer uma rede de produção e comercialização entre todos os EES dos estados do PI, CE, RN e BA, possibilitando gerar maior volume de produção e participar de espaços de mercado que antes só entravam grandes produtores; colocam para os diferentes agentes sociais o desafio de acompanhar essa dinâmica e de construir novos processos e tecnologias sociais capazes de promover o desenvolvimento daquele ambiente e o protagonismo daqueles atores sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Thales Novaes. Aspectos sociais e tecnológicos das atividades de inovação. In: Lua Nova: Revista de Cultura e Política – No. 66, p 139-213. São Paulo, 2006.
BAUMGARTEN, Maíra. Ciência, tecnologia e desenvolvimento – redes e inovação social. In: Parcerias Estratégicas – Junho - No. 26. Brasília, 2008.
DAGNINO, Renato. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico.: um debate sobre a tecnociência. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2008.
DAGNINO, Renato. Em direção a uma teoria crítica da tecnologia. In: _____. Tecnologia social: ferramenta para construir outra sociedade. Campinas, SP: IG/UNICAMP, 2009.
FEENBERG, Andrew. Racionalização subversiva: tecnologia, poder e democracia. Coletânea de Filosofia da Tecnologia, 2008.
HABERMAS, J. Técnica e ciência enquanto “ideologia”. In: Textos escolhidos: os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 
NEDER, Ricardo T. A construção de ambientes de inovação para pesquisa científica e tecnologias sociais. In: Revista Conhecimento & Inovação – Jan/Fev/Mar 2009. Campinas, SP: Unicamp, 2009.
SÍTIOS NA INTERNET CONSULTADOS
http://www.conab.gov.br/conabweb/agriculturaFamiliar/paa_papel_conab.html - acesso em 16.06.2009.
http://www.fundacaobancodobrasil.org.br/ – acesso em 23.06.2009.
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http://www.tecnologiasocial.org.br – acesso em 22.06.2009.

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