domingo, 28 de fevereiro de 2010

EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS E SOLIDÁRIOS: CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PORVIR

Artigo publicado em diversos saites parceiros: www.rts.org.brhttp://criseoportunidade.wordpress.com, entre outros.


RESUMO
O objetivo desse artigo é apresentar a perspectiva organizacional e solidária de duas cooperativas centrais de produção compostas por trabalhadores da agricultura familiar, relacionando essa realidade com a literatura que discute os fundamentos epistemológicos do desenvolvimento sustentável. Trataremos aqui e dois conjuntos de empreendimentos econômicos e solidários (EES) vinculados às cadeias produtivas do mel e do caju, no estado do Piauí, que tem como pressuposto gerar trabalho e renda e melhorar as condições sociais de seus cooperados, com respeito ao meio ambiente. O desafio desse artigo é apresentar como a construção coletiva, entre atores locais e organizações parceiras externas àquelas atividades, pode transformar o ambiente social em uma nova dinâmica de interação e desenvolvimento. Os dados e informações sobre os fatos e sobre os EES são de meu conhecimento, fruto do acompanhamento sistemático que realizado como gestor de Comunicação e Mobilização Social da Fundação Banco do Brasil.

PALAVRAS-CHAVE
1. Solidariedade; 2. Comunidade; 3. Participação social; 4. Cooperativismo; 5. Desenvolvimento sustentável.

INTRODUÇÃO
Os empreendimentos econômicos e solidários (EES) aqui tratados são a Central de Cooperativas Apícolas do Semi-Árido Brasileiro (Casa Apis), e a Central de Cooperativas de Cajucultores do Estado do Piauí (Cocajupi). Utilizaremos o conceito de EES por ser esse o adotado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, que compreende organizações supra familiares, de caráter permanente, como associações e cooperativas e que exercem a autogestão de suas atividades e recursos. Ambas as centrais são cooperativas de segunda geração, complexa, quer dizer, a sua formação e existência se dá pela associação de outras cooperativas de base. O surgimento das centrais aconteceu a partir de 2003, quando houve uma priorização de investimentos e políticas públicas direcionados a diversos segmentos sociais antes secundarizados pelo Estado, então, priorizados pelo programa Fome Zero do Governo Federal, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A questão objetiva desvendada por Celso Furtado (1974), em O mito do crescimento econômico, apontou os limites do sistema capitalista, figurado em sua magnitude no século XX, com a promoção da concentração de renda e dos impactos ambientais sem precedentes, de países centrais desenvolvidos sobre países periféricos subdesenvolvidos. Esse quadro contribui para entender, por analogia e similaridade, como também foram produzidas na economia brasileira duas realidades distintas: uma o sul e o sudeste com relativo desenvolvimento, com indústrias e geração de empregos; a outra o norte e o nordeste bastante excluído do processo produtivo e de direitos sociais, com menos acesso ao trabalho.
A evolução do sistema capitalista, no último quarto de século, caracterizou-se por um processo de homogeneização e integração do centro, um distanciamento crescente entre o centro e a periferia e uma ampliação considerável do fosso que, dentro da periferia, separa uma minoria privilegiada e as grandes massas da população. Esses processos não são independentes uns dos outros: devem ser considerados dentro de um mesmo quadro evolutivo. A integração do centro permitiu intensificar sua taxa de crescimento econômico, o que responde, em grande parte, pela ampliação do fosso que o separa da periferia. Por outro lado, a intensidade do crescimento no centro condiciona a orientação da industrialização na periferia, pois as minorias privilegiadas desta última procuram reproduzir o estilo de vida do centro. (FURTADO, 1974, p. 46).
No entanto, hoje, pode-se afirmar que a solução para o norte ou nordeste do Brasil não é e não será a implantação de uma ou de uma dezena de fábricas de automóveis ou de outras plantas industriais de grande porte, seja pela própria recessão e crise capitalista, seja pelos impactos ambientais trazidos por empresas dessa natureza. A alternativa para comunidades, territórios e até mesmos para países em situações de baixo nível de geração de riquezas está em soluções endógenas, que promovam o desenvolvimento a partir de dentro das próprias comunidades, como afirma Ignacy Sachs (2008), estimulando e desenvolvendo processos de produção e valorização das culturas e saberes locais.
Foi com esse propósito apontado por Sachs que essas novas cooperativas foram viabilizadas com investimentos de recursos financeiros, políticos e de gestão, entre diversas entidades que aportaram ao projeto de promover o desenvolvimento das cadeias produtivas da apicultura e da cajucultura, junto a agricultores familiares do estado do Piauí. Entre essas instituições estão a Fundação Banco do Brasil (FBB), o Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae), a Fundação Interuniversitária Unitrabalho e a Organização Intereclesiástica da Holanda (ICCO), além de diversas outras instituições e órgãos de governos que apoiaram a iniciativa. Cada instituição trouxe a sua experiência e capacidade, para interagir com os EES existentes e com as novas cooperativas que estavam surgindo.

PRODUTORES E PRODUÇÃO
A base social desses empreendimentos é bastante significativa: a Casa Apis tem dez cooperativas filiadas que, juntas, representam 1.600 agricultores familiares que produzem e colhem mel, também chamados apicultores. A Cocajupi também conta com dez cooperativas singulares filiadas, com uma base de associados na ordem de 500 famílias de produtores de caju, chamados cajucultores.
Apesar dessas atividades ainda não serem reconhecidas como profissões específicas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, centenas de famílias de agricultores, principalmente no Nordeste brasileiro, tiram o seu sustento basicamente dessas culturas. Os cajucultores e os apicultores, especificamente, constituem-se com defensores ambientais do ecossistema do semi-árido brasileiro, na medida em que os pés de cajueiros devem ser bem tratados pelos agricultores e essas árvores estão bastante harmonizadas com aquela paisagem; bem como as diversas floradas, inclusive a dos cajueiros, são vitais para a atividade apícola. A proteção de toda a vegetação existente é um princípio daqueles trabalhadores agrícolas que, na maioria das vezes, moram em comunidades afastadas das cidades. O contato que esses trabalhadores têm com o mundo, externo a sua família ou a sua pequena comunidade, ainda acontece, basicamente, por meio da sua produção, seja das castanhas de caju seja do mel colhido localmente. Souza Santos nos remete a essa dimensão de comunidade em nossos tempos:
As representações que a modernidade deixou até agora mais inacabadas e abertas são, no domínio da regulação, o princípio da comunidade e, no princípio da emancipação, a racionalidade estético-expressiva. Dos três princípios de regulação (mercado, Estado e comunidade), o princípio da comunidade foi, nos últimos duzentos anos, o mais negligenciado [...] Mas, também por isso, é o princípio menos obstruído por determinações e, portanto, o mais bem colocado para instaurar uma dialética positiva como pilar da emancipação. Porque é uma representação aberta e incompleta, a comunidade é ela própria dificilmente representável – ou é-o apenas vagamente – e os seus elementos constitutivos, também eles abertos e inacabados, furtam-se a enumerações exaustivas. Têm, contudo, uma característica comum: todos resistiram à especialização e à diferenciação técnico-científica através das quais a racionalidade cognitivo-instrumental da ciência moderna colonizou os outros dois princípios modernos de regulação: o mercado e o Estado. Ao contrário dos dois últimos, o princípio da comunidade resistiu a ser totalmente cooptado pelo utopismo automático da ciência e, por isso, pagou duramente com a sua marginalização e esquecimento. (SOUSA SANTOS, 2007, p. 75).
A produção e processamento do mel e do caju, culturas locais e sob o domínio daqueles trabalhadores, pode trazer um potencial de desenvolvimento significativo, na medida em que esses produtos naturais podem gerar inúmeros subprodutos, consequentemente, gerar mais renda e melhores condições de vida. Da apicultura, extrai-se a própolis, a geléia real, o mel que é produto e insumo para diversas outras finalidades, como fármacos, cosméticos e alimentos. Da cajucultura, além da castanha de caju, que hoje tem forte valor no mercado internacional, a carne do fruto pode-se fazer diversas variedades de alimentos para consumo humano, com grande fonte de proteína, como também, para a produção de ração animal. No entanto, aproximadamente, 90% do pedúnculo – a carne do caju – vira resíduo não aproveitado no processo produtivo brasileiro. Sachs (2002) aponta para a importância do aproveitamento sustentável e total dos recursos naturais, a exemplo do potencial existente na cajucultura e na apicultura:
Nosso problema não é retroceder aos modos ancestrais de vida, mas transformar o conhecimento dos povos dos ecossistemas, decodificado e recodificado pelas etnociências, como um ponto de partida para a invenção de uma moderna civilização de biomassa, posicionada em ponto completamente diferente da espiral de conhecimento e do progresso da humanidade. O argumento é que tal civilização conseguirá cancelar a enorme dívida social acumulada com o passar dos anos, ao mesmo tempo que reduzirá a dívida ecológica. Para isso, temos que utilizar ao máximo as ciências de ponta, com ênfase especial em biologia e biotécnicas, para explorar o paradigma do “B ao cubo”: bio-bio-bio. O primeiro b representa a biodiversidade, o segundo a biomassa e o terceiro as biotécnicas. (SACHS, 2002, P. 30-31).
  O processo produtivo realizado é baseado no cooperativismo entre os trabalhadores, com o objetivo e atuar em toda a cadeia produtiva, desde a produção agrícola primária, passando pelo beneficiamento do produto, até o processamento, embalagem e comercialização final. Os meios de produção da Casa Apis são formados por vinte casas de mel, onde ocorre o primeiro beneficiamento, sob a coordenação das cooperativas de base. Essas unidades produtivas estão espalhadas em 34 pequenas comunidades rurais nos municípios de Picos, Pio IX, Itainópolis, Simplício Mendes, Piripiri, Esperantina e São Raimundo Nonato, no Piauí, além de Horizonte e Batalha, no Ceará. Posteriormente, essa produção segue para o processamento e embalagem na Unidade Central de Processamento do Mel, que fica na cidade de Picos, gerida pela própria Casa Apis.
O mesmo modelo de produção em toda a cadeia produtiva ocorre na cajucultura. As cooperativas singulares são responsáveis pelo primeiro tratamento das castanhas de caju em dez minifábricas de beneficiamento, localizadas nos municípios piauienses de Altos, Vila Nova do Piauí, Francisco dos Santos, Ipiranga do Piauí, Itainópolis, Jaicós, Campo Grande do Piauí, Monsenhor Hipólito, Pio IX e Santo Antônio de Lisboa. Em seguida, a produção é encaminhada a Picos, para finalização e embalagem na Unidade Central de Processamento de Castanha de Caju, administrada pela Cocajupi. Enfim, como aponta Boaventura de Sousa Santos (2007, p. 75), “para determinar as virtualidades epistemológicas do princípio da comunidade, saliento duas das suas dimensões: participação e solidariedade. Esses elementos só muito parcialmente foram colonizados pela ciência moderna”; são essas comunidades que têm o potencial da emancipação e de construção de uma nova realidade voltada ao desenvolvimento sustentável, distante da lógica perversa em que a modernidade nos trouxe até aqui, a partir da solidariedade, participação social e cooperativismo produtivo.
Esse mesmo desenho organizacional com outros EES na cajucultura, com atuação em toda a cadeia produtiva, também ocorre nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia, contando com a parceria e participação da FBB, Sebrae, Unitrabalho, entre outras instituições. Ainda, no Piauí, estão em fase de implantação de duas unidades de produção e processamento do pedúnculo para transformação em cajuína, bebida não alcoólica com alto grau energético, pouco difundia no país. As unidades serão acopladas junto às minifábricas de beneficiamento de castanha de caju nas cidades de Ipiranga do Piauí e Monsenhor Hipólito. 
As estruturas de produção das centrais da Casa Apis e da Cocajupi foram concluídas em setembro de 2007. Desde então, o processo de comercialização e logística, com alguns resultados positivos, são os novos desafios desses empreendimentos. Por exemplo, a Casa Apis, com pouco mais de um ano de existência, concluiu o ano de 2008 como a 22ª instituição em exportação do Piauí. A Cocajupi tem participado de feiras e exposições e já conquistou uma importante carteira de compradores em várias capitais brasileiras.
Fatos dessa natureza transformam não só os aspectos econômicos e sociais, na medida em que a geração de renda e a apropriação direta da riqueza gerada pelo trabalho ficam nas mãos dos próprios agricultores; o outro impacto, talvez invisível, é o da mudança de consciência dos trabalhadores desse segmento social, que começam a se sentir participantes de um processo vivo e complexo de organização social, distante e diferente de uma ou duas décadas passadas em que uma das poucas alternativas era esperar a ajuda de um político local, dentro de uma lógica clientelista. Pode-se dizer que há o desenvolvimento por dentro desse coletivo de um “estado nascente”, como elaborado por Alberoni:
Ao nível individual, o estado nascente é uma experiência extraordinária que interrompe o enredo da vida cotidiana, dando-lhe um novo rumo. É o descobrimento de uma vocação mais profunda, do próprio destino. É um chamamento ou uma revelação. Mas também pode ser o nascimento de um amor, uma conversão religiosa ou política, uma irresistível inspiração artística, uma decisão irrevogável. O estado nascente é uma experiência cognoscitiva. É conhecer, ver, descobrir aquilo que estava oculto, uma revelação daquilo que já existia. [...] O estado nascente, portanto, é uma experiência tanto individual quanto coletiva, que gera uma ação social de tipo novo, uma nova solidariedade, uma onda de choque sobre as estruturas estabelecidas e uma vontade de renovação radical, uma exploração de possível, procurando realizar alguma coisa daquilo que havia sido vislumbrado. (ALBERONI, 1991, P. 13 e 37).

INTERAÇÕES E ORGANIZAÇÕES COMPLEXAS
Existe um arranjo sofisticado de organização e comprometimento entre os dirigentes das cooperativas de base para sustentar a estrutura de ambas as centrais cooperativas, bem como uma co-responsabilização no processo de acompanhamento sistemático desses empreendimentos juntamente com as instituições parceiras, organizadas por meio do Comitê Gestor, que é uma espécie de conselho consultivo dos empreendimentos. Participam do Comitê de cada cadeia produtiva representantes da central e das cooperativas de base; as instituições que promovem investimentos financeiros, políticos e de suporte a gestão, além de outras organizações públicas, privadas e governamentais que interagem com os empreendimentos. Nele são debatidos temas como a elaboração e acompanhamento do planejamento estratégico anual; gargalos da produção e comercialização; estratégias e perspectivas de construção de novas alianças e parcerias para o fortalecimento e o desenvolvimento sustentável dos empreendimentos econômicos e solidários. Essa articulação interinstitucional aliada aos EES pode ser considerada uma ação contra-hegemônica ao modelo econômico liberal, como apontam Duarte e Wehrmann:
Trata-se de uma economia voltada para atender as demandas de uma sociedade mais exigente e mais comprometida com a cooperação, com a solidariedade, em uma relação mais respeitosa com a natureza, com as múltiplas formas de arranjo e, sobretudo, com as particularidades – com o território, com a região. Nesse contexto, o desenvolvimento vislumbrado pode ser descrito como aquele que a utilização dos recursos para as atividades é realizada por atores que levam em conta as especificidades regionais. Pressupõe-se que dessa maneira as atividades resultarão em benefício para a comunidade e para o ambiente da região. [...] Combinada a fatores internos e regionais, a multiplicidade de ações e iniciativas que se faz presente no Continente Sul-americano, e em especial no Brasil, traduz-se por uma grande diversidade de situações e problemáticas, assim como por uma gama enorme de experiências inovadoras, em termos da organização e participação dos atores sociais em processos de desenvolvimento contra-hegemônicos e de economia solidária. No caso brasileiro, a força e a importância do cooperativismo e do associativismo podem ser igualmente salientadas no que se refere à consolidação da agricultura familiar e ao desenvolvimento regional/territorial. (DUARTE e WEHRMANN, 2008, p. 21-22).
Hoje, os EES têm um relacionamento muito forte com alguns outros segmentos sociais, como por exemplo, os profissionais de comunicação e os gestores e professores das Instituições de Ensino Superior (IES). Isso se deve ao fato de que esses empreendimentos veem ganhando notoriedade, na medida em que a capacidade de produção e produtividade dos cooperados da Casa Apis, por exemplo, tem aumentando a cada ano. A previsão de processamento de mel na Unidade Central, para 2009, é de mais de 1.000 toneladas. A capacidade de processamento total é de 2.000 toneladas. No primeiro ano de funcionamento, foram processadas mais de 500 toneladas, o que garantiu a sua classificação como uma das maiores exportadoras de mel do Piauí, o que dá destaque àquela região. Picos é uma cidade pólo, com 80 mil habitantes, mas que gravitam outras 39 cidades menores, formando uma população de quase 400 mil pessoas.
O relacionamento dos EES com os agentes da mídia local, que buscam nas cooperativas bons casos para os seus veículos de comunicação, como também a relação com os gestores, coordenadores e professores das IES, é resultado de uma política de comunicação e mobilização social que vem sendo realizada nos principais municípios onde há casas de mel e minifábricas de beneficiamento de castanha de caju e, principalmente, em Picos, sede das centrais de processamento do mel e do caju. Essa ação consiste em identificar os reeditores sociais, conforme elaborado por Jose Bernardo Toro, educador colombiano:
Uma mobilização social deve dirigir-se aos “reeditores”, ou seja, a pessoas que têm públicos próprios: um conjunto de pessoas diante dos quais o “reeditor” possui credibilidade e legitimidade para propor e modificar ações e mensagens. Um político é um reeditor social, pois seus seguidores aceitam livremente suas ideias e propostas de ação. O mesmo pode se dizer de um sacerdote ou de um pastor, de um líder sindical ou comunitário, de um pai de família, de um artista e de um professor. (TORO, 2005, p. 92).
A realidade de daquela região, também conhecida como Vale do Guaribas, tem demonstrado mudanças de qualidade na percepção da população, principalmente, junto aos produtores familiares envolvidos nos EES e junto a esses reeditores: os professores das IES e os comunicadores locais. O debate sobre o desenvolvimento sustentável daquele território, com a sua cultura e riqueza próprias, combinado com a compreensão vital do ambiente, constitui-se como temas de diálogo e desejos entre esses atores. Algo muito próximo do que nos escreve Leff:
O saber ambiental constrói sua utopia a partir do potencial do real e da realização do desejo que ativa princípios materiais e significações sociais para a construção de uma nova realidade – de uma racionalidade social alternativa – na qual se verificará sua verdade como potência, mobilizando processos com vistas à realização de certos objetivos, mediante suas incertezas e possibilidades. Assim, a racionalidade ambiental converte-se num processo de racionalização teórica, técnica e política que dá coerência conceitual, eficácia instrumental e sentido estratégico ao processo social de construção de um futuro sustentável. A racionalidade ambiental vai se verificando no processo de construção de seu referente, mediante processos de racionalização – de transformações axiológicas, gnosiológicas, instrumentais e produtivas – que orientam a mudança social para a sustentabilidade. (LEFF, 2004, p. 56-57).
Existem quatro IES estabelecidas em Picos: a Universidade Federal do Piauí (UFPI); a Universidade Estadual do Piauí (UESPI); o Instituto Federal de Educação Tecnológica (IFET) e; a Faculdade R. Sá, esta a única IES privada da região. Em 2008, os gestores e coordenadores de cursos das quatro IES participaram de uma oficina que teve como objetivo definir um calendário de eventos relacionados aos temas de interesse dos EES, enfocando a discussão sobre o desenvolvimento sustentável da região e o papel de cada instituição nesse contexto, resultando em desdobramentos positivos.
Hoje, todas as IES estão atuando, de alguma forma, com atividades acadêmicas e de extensão junto aos EES. A UFPI atua no âmbito de suas faculdades de nutrição e química, na análise dos produtos in natura das unidades de produção; a UESPI, por meio do seu curso de comunicação social, tem participado as ações de divulgação e comunicação das ações dos EES; o IFET tem contribuído na perspectiva de estudar as necessidades tecnológicas dos EES e; a Faculdade R. Sá, por meio de seus cursos de comunicação social e administração, têm solucionado demandas e criado alternativas para o fortalecimento institucional dos empreendimentos, como a construção das páginas eletrônicas na internet da Casa Apis e da Cocajupi.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em quanto escrevia este artigo, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) anunciou que de cada seis pessoas no mundo, uma está passando fome, conforme dados publicados pela organização em 19 de junho e testemunho do diretor geral, Jacques Diouf:
Una mezcla explosiva de desaceleración económica mundial y precios de los alimentos que se empeñan en permanecer altos en muchos países, ha empujado a unos 100 millones de personas más al hambre y la pobreza. Esta crisis silenciosa del hambre - que afecta a uno de cada seis seres humanos - supone un serio riesgo para la paz y la seguridad mundiales. Necesitamos crear con urgencia un amplio consenso para la erradicación rápida y completa del hambre en el mundo y para dar los pasos necesarios. La situación actual de inseguridad alimentaria mundial no nos puede dejar indiferentes. Los países pobres necesitan las herramientas de desarrollo, económicas y políticas necesarias para impulsar su producción agrícola y su productividad. Es necesario incrementar la inversión en agricultura, ya que en la mayoría de los países pobres un sector agrícola saludable es clave para vencer al hambre y la pobreza y supone un requisito previo para el crecimiento económico. (FAO, 19.06.2009).
Infelizmente, as reflexões de Celso Furtado e as contribuições históricas de Ignacy Sachs, Ladislau Dowbor, Boaventura de Sousa Santos, entre tantos outros intelectuais, que têm apontado ideias e propostas concretas de construção de um novo paradigma de sociedade, não ecoam e se traduzem em política hegemônica planetária. Como nos disse Boaventura, em evento na UnB, no dia 4 de junho passado: “é preciso pensar novo, ver novas formas; não estabelecer consensos, mas sim, resignação. Precisamos de um pensamento alternativo para construir alternativas: proponho uma epistemologia do sul. É preciso reinventar a emancipação social e ter novas propostas, pois as epistemologias do século XX falharam”.  
Sim, existe uma crise de paradigma, como aponta Kuhn, porém, não só na ciência. Essa crise está em todos os níveis: no econômico, no social, no político e no ambiental. O caminho à solução dessa crise emaranhada passa, por exemplo, em resolver a equação mundial colocada agora pela FAO.
No Brasil, é preciso aprofundar experiências, tecnologias e soluções emancipadoras como as que estão em curso no Piauí e aqui relatadas; promove-las em outros territórios que tenham as mesmas demandas, adequando-as a cada realidade, pode ser um caminho viável. As políticas públicas devem estar em sintonia com os objetivos do desenvolvimento sustentável, desde a ação dirigida diretamente às comunidades dos agricultores familiares, garantindo melhoria nas condições de vida, até a promoção de educação e condições para que a juventude local tenha gosto e interesse pelo seu território, o desenvolva de forma sustentável e fique nele; como também àquelas políticas que se relacionam com as pessoas das cidades e metrópoles, para promover a redução e o consumo consciente dos recursos naturais.
 A valorização dos conhecimentos e saberes locais, muitas vezes desconsiderados e negados pela ciência, combinada com a interação entre diferentes atores sociais, contribui para o desenvolvimento de comunidades, territórios e paises. Resgatar, recuperar e reaplicar esses conhecimentos e interações em outras realidades faz parte de um novo paradigma e de um novo fazer, diferente e necessário, capaz de transformar o ambiente.
O ambiente é algo que está sem suporte, sem apoio e sem sustentação; ele é meio e é o Outro, distante de nós, como aponta Leff:
O ambiente configura o campo de externalidade das ciências que não é reintegrável – internalizável – por extensão e a racionalidade científica a estes espaços negados e saberes esquecidos. O ambiente é o Outro do pensamento metafísico, do logos científico e da racionalidade econômica. Nesta perspectiva, o propósito de internalizar a “dimensão ambiental” nos paradigmas do conhecimento se propõe como um confronto de racionalidades e tradições, como um diálogo aberto à outridade, à diferença e à alteridade. (LEFF, 2007, p. 161).
Construir o debate epistemológico do desenvolvimento sustentável e da complexidade ambiental, de modo que essa discussão seja norteadora dos caminhos e decisões da humanidade, daqui para frente, é indispensável para o nosso presente e inevitável para o nosso futuro. Descobrir e testar novas possibilidades de relação com o ambiente e enamorar-se como o porvir de uma nova sociedade justa, solidária e sustentável é o que mobiliza nossos corações e mentes. Finalizo, compartilhando com Leff (2007, p. 221): “A complexidade ambiental abre o caminho infinito no qual se inscreve o ser num devir complexificante. Um ser sendo, pensando e atuando no mundo”.  
  

BIBLIOGRAFIA

ALBERONI, F. Gênese: Como se criam os mitos, os valores e as instituições da civilização ocidental. Rio de Janeiro. Rocco, 1991.
DOWBOR, Ladislau. Democracia econômica. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil: 2007.
DUARTE, Laura e WEHRMANN, Magda. Socioeconomia do desenvolvimento e ambiente. Texto publicado no Curso MBA/DRS/BB/UnB, 2008.
FURTADO, Celso. O Mito do Desenvolvimento Econômico. 4a. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.
LEFF, Henrique. Aventuras da epistemologia ambiental: da articulação das ciências ao diálogo de saberes. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.
_____. Epistemologia ambiental. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.
SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.
_____. Desenvolvimento includente, sustentável e sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.
SOUZA SANTOS, Boaventura de. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.
TORO, Jose Bernardo. A construção do público: cidadania, democracia e participação. Rio de Janeiro: Editora Senac Rio, 2005.

PÁGINA NA INTERNET CONSULTADA
https://www.fao.org.br/vernoticias.asp?id_noticia=814 – Acesso em 19.06.2009.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

A publicidade como patrimônio público e social

Conteúdo apresentado na desconferência do I Fórum de Mídia Livre, no Rio de Janeiro, em dezembro de 2008.


O anúncio publicitário que você viu hoje no jornal, na TV, na internet, no rádio ou em qualquer mídia, por aí, já foi pago. E muito bem pago! A publicidade, com todas as cifras envolvidas, é o primeiro imposto direto pago pelo cidadão, ou se quiser, pelo consumidor. O faturamento da mídia em 2007, no Brasil, ultrapassa os R$ 26 Bi. Segundo dados da revista Meio e Mensagem, só as Casas Bahia, representam nesse montante mais de R$ 1 Bi, correspondente aos seus comerciais diários. Da mesma forma, outro bilhão desse negócio é composto pela verba publicitária do governo federal e de suas empresas estatais. Com esses números, podemos perguntar: quem paga essa conta? Bem, a das Casas Bahia é você, leitor, quando compra aquele fogão ou geladeira novos; a do governo, esse pagador você conhece bem; também é você!


O entendimento de que a publicidade é o primeiro imposto direto é compartilhado por muitos pesquisadores e pensadores da comunicação, passando por Oliviero Toscani, antigo fotógrafo da Beneton italiana; Roberto Menna Barreto, escritor e; o professor e economista, Ladislau Dowbor. Segundo Dowbor, em seu ensaio Democracia Econômica, em 1998 o PNUD apontava que o mercado publicitário planetário girava em torno de US$ 430 Bi. Outros estudos, de 2001, já indicam um movimento superior a mais de US$ 1 Tri. O fato é que quando compramos um produto, qualquer que seja ele, não vem discriminado o que estamos pagando ali. Na composição de preço de um produto, também estão embutidos os custos referentes à pesquisa, marketing, royalties, designs, trabalhos jurídicos e, é claro, publicidade, que juntos, podem ultrapassar mais de 75 % do valor. Porém essa informação nos é negada.

Além de pagarmos bem caro pela publicidade que somos compulsoriamente obrigados a ver, somos também submetidos a bobagens e criações grotescas. O caso dos automóveis é emblemático: vemos nos comerciais super carros que deslizam suaves pelas areias das praias ensolaradas, ou caros que andam nas cidades em alta velocidade e com conforto total. Essa realidade é linda! Só não fosse o sal do mar que vai enferrujar o veículo, e as marginais ou 23 de Maio em SP, por exemplo. Para comprovar a falácia da realidade construída pela publicidade, segundo pesquisas sobre o trânsito em SP, há cem anos a velocidade média dos veículos na cidade era de 16 Km/h, com carroças, e alguns bondes. Hoje, com os carros super potentes, a velocidade é a mesma.

Qual é a responsabilidade dos veículos que publicam esses anúncios? O que a mídia tem haver com nossas vidas?

O que tudo indica é que o negócio das grandes corporações de comunicação está focado na venda do espaço publicitário – venda de mídia – e não no conteúdo que muitos veículos e editoras se dizem comprometidos com seus públicos. Então, é a venda pela venda. Não o conteúdo para seus leitores, ouvintes, internautas, transeuntes ou telespectadores.

O que nos atinge hoje é saber que fizemos muitas coisas erradas nos últimos dois, três séculos – na dita era moderna. Pelo que se sente no ar, nossas vidas estão à beira do abismo: dois terços da população ainda vivem abaixo da linha da pobreza, dezenas de guerras acontecendo, aquecimento global, destruição dos ecossistemas, entre mais algumas barbáries. Mas isso parece que não tem nenhuma relação conosco. Então está fora da mídia! Da mesma forma, o debate sobre a sustentabildade ou sobre a qualidade de nossas vidas e de nossos filhos, temas que parecem um centro importante para o debate sobre nossa existência, também estão distantes da comunicação de massa; e é claro, da publicidade.

Podemos ver em qualquer jornal nacional, regional ou municipal e, quem sabe, até de bairro, páginas duplas, áudios e vídeos, com anúncios dos últimos modelos dos carros mais lindos da concessionária tal. É claro, no próximo espaço de anúncio certamente estará a marca concorrente bastante visível. Porém, um repórter, sabe lá como essa pauta surgiu e conseguiu ser publicada entre outras notícias tão importantes, como, o modo que os Nardoni jogaram a criança ou que no SPFW contou com a presença da Gisele; esse nosso jornalista consegue publicar uma matéria que denuncia o congestionamento das principais vias de acesso daquela comunidade e aponta o excesso de veículos como uma das principais causas. E que o nível de poluição nunca havia chegado naqueles patamares. É claro que isso é apenas uma simulação, que não acontece de verdade!?

No caso acima, qual é a posição desse veículo de comunicação? Ajudar a vender mais carros naquela cidade e entulhar as vias, ou debater com a população as alternativas de vida ou de sobrevivência? Qual é o papel dos veículos de comunicação? Qual é o papel da mídia e dos espaços publicitários?

Voltando ao nosso tributo diário, um debate na sociedade deve acontecer: a democratização das verbas publicitárias. Quando pagamos qualquer tipo de imposto, queremos que aquele recurso seja administrado e utilizado corretamente e que atenda as necessidades reais e concretas a que se destina, para todos, como a melhoria das estradas, a qualidade na saúde, o saneamento básico nas nossas cidades, e assim por diante. Para a publicidade, os pressupostos devem ser os mesmos.

A publicidade deve receber maior atenção e controle social, para que a banalidade e abusos à nossa inteligência não sejam permitidos, de forma que o espaço publicitário tenha relação direta com as necessidades das pessoas, apresentando conteúdos mais sofisticados e de interesse público.

Da mesma forma, o dinheiro da publicidade – a verba publicitária – deve ser direcionado a todos os veículos que tenham penetração segmentada, mesmo que os seus índices de Custo Por Mil, metodologia a nosso ver ultrapassada, não apontem números satisfatórios, considerando sim a participação desse veículo como mais um canal de relacionamento e de comunicação social, devendo, dessa forma, fazer parte dos planos de mídia das empresas e dos governos. Medida como esta democratizaria os recursos publicitários e fortaleceria pequenos veículos de comunicação, sejam de distribuição nacional ou regional, que hoje ficam à margem dos investimentos em mídia, além de garantir o direito universal da comunicação, para todos.

É dentro dessa perspectiva que as proposições lançadas pelo Fórum de Mídia Livre são fundamentais para estabelecer um novo diálogo na sociedade, percebendo a publicidade como um patrimônio público e social.

EMPREENDIMENTOS ECONÔMICOS E SOLIDÁRIOS: AMBIENTES DE INOVAÇÃO OU DE TECNOLOGIA SOCIAL?

Artigo apresentado no III Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade, em Curitiba, novembro de 2009.


INTRODUÇÃO
A compreensão do que seja inovação é fundamental para o propósito deste artigo. Partimos do conceito utilizado na Lei no. 10.973, de 2.12.2004, que regulamenta a Lei de Inovação, no Brasil, que diz: “introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo ou social que resulte em novos produtos, processos ou serviços”. Aparentemente, o conceito é bastante simples e transparente, no entanto, em todo o texto da Lei, não é possível perceber proximidade com as diferentes realidades e necessidades colocadas nos ambientes dos empreendimentos econômicos e solidários (EES) que apresentaremos aqui.
Utilizaremos o conceito de EES por ser esse o adotado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que compreende:
Organizações coletivas e suprafamiliares, permanentes, como associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, entre outras, cujos participantes são trabalhadores dos meios urbano e rural que exercem a autogestão das atividades e da alocação dos seus resultados. [...] Economia Solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o ambiente. Cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no próprio bem. (MTE/SENAES, 2009).
Retornando à ideia de inovação, Habermas nos aponta uma visão crítica do conceito:
Só a partir do momento em que o modo de produção capitalista dotou o sistema econômico de um mecanismo de regras para o crescimento da produtividade do trabalho, crescimento que, embora sujeito a crises, revela-se contínuo em longo prazo, é que a introdução de novas estratégias, a inovação, como tal, foi institucionalizada. (HABERMAS, 1983, p. 324).
O texto de Habermas, de 1968, Técnica e Ciência enquanto “Ideologia”, nos remete ao enquadramento do conceito de inovação voltado, exclusivamente, aos processos de acumulação capitalista, idéia de inovação bastante distante dos processos e objetivos relacionados aos propósitos de construção coletiva, participativa e solidária aos quais os EES estão alicerçados.
Segundo Feenberg (2008), Habermas apresenta uma visão instrumentalista da tecnologia, com uma abordagem que “implica que em sua própria esfera a tecnologia é neutra, mas que fora desta esfera causa as várias patologias sociais que são os problemas principais das sociedades modernas” (FEENBERG, 2008, p. 17). É importante ressaltar que toda ação humana é carregada de valores, interesses e decisões, da mesma forma, a definição de se utilizar essa ou aquela tecnologia carrega sentidos explícitos e de não neutralidade.
No entanto, corretamente, é no contexto da abordagem pontual de Habermas, descrita acima, que direciona e subordina a inovação ao processo de acumulação capitalista, processo este que causa uma das piores patologias sociais: a desigualdade. É com esse raciocínio que se percebe contraditória e equivocada a aplicação do conceito de inovação sobre os processos de geração de trabalho e de riqueza constituídos a partir de EES.
Os EES são ambientes de produção e de desenvolvimento coletivos não capitalistas, que trazem características próprias, como: o senso de confiança e de respeito no grupo; a necessidade de democracia participativa; a definição de direitos e deveres de acordo com as condições e possibilidades de cada sujeito ou comunidade. Esses aspectos estão relacionados diretamente com o resultado do trabalho, que é partilhado entre todos de forma equânime.
Pode-se perceber que o modo de funcionamento e de envolvimento dos participantes em EES, que visam à geração de trabalho e renda, inscreve-se nos pressupostos do conceito da tecnologia social (TS), conforme definido pela Fundação Banco do Brasil (FBB), em sua página eletrônica: “tecnologia social compreende produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social”.
Dagnino (2009) propõem um paralelo entre os conceitos da tecnologia capitalista e da tecnologia social:
Em termos conceituais, a particularização do conceito genérico de tecnologia para o contexto socioeconômico capitalista leva à seguinte definição de TC [Tecnologia Capitalista]. Ela é o resultado da ação do empresário sobre um processo de trabalho que, em função de um contexto socioeconômico (que engendra a propriedade privada dos meios de produção) e de um acordo social (que legitima uma coerção ideológica por meio do Estado) que ensejam, no ambiente produtivo, um controle (imposto e assimétrico) e uma cooperação (de tipo taylorista ou toyotista), permite uma modificação no produto gerado passível de ser por ele apropriada.
Ao proceder de maneira análoga, podemos conceituar TS [Tecnologia Social]. Ela seria o resultado da ação de um coletivo de produtores sobre um processo de trabalho que, em função de um contexto socioeconômico (que engendra a propriedade coletiva dos meios de produção) e de um acordo social (que legitima o associativismo), os quais ensejam, no ambiente produtivo, um controle (autogestionário) e uma cooperação (de tipo voluntário e participativo), permite uma modificação no produto gerado passível de ser apropriada segundo a decisão do coletivo. (DAGNINO, 2009, p. 103).
Corroborando com Dagnino, os conhecimentos aplicados no EES são desenvolvidos e assimilados coletiva e socialmente, tornando os seus participantes protagonistas do processo de ensino e aprendizagem das técnicas, na autogestão e definição dos rumos do empreendimento e na capacidade de desenvolver, implementar e retroalimentar o processo sociotécnico, elementos constitutivos e fundantes da TS.

OS EES DA CAJUCULTURA E DA APICULTURA
Os empreendimentos econômicos e solidários (EES) aqui tratados são a Central de Cooperativas Apícolas do Semi-Árido Brasileiro (Casa Apis), e a Central de Cooperativas de Cajucultores do Estado do Piauí (Cocajupi). Ambas as centrais são cooperativas de segunda geração, complexas, quer dizer, a sua formação e existência se dá pela associação de outras cooperativas de base, singulares. O surgimento das centrais aconteceu a partir de 2003, quando houve um direcionamento de investimentos sociais e políticas públicas para segmentos da sociedade priorizados pelo programa Fome Zero do Governo Federal, como, indígenas, quilombolas e, no caso em questão, os agricultores familiares assentados da reforma agrária.
Para viabilizar essas novas cooperativas houve uma articulação institucional, com investimentos de recursos financeiros, políticos, de conhecimento e de gestão, entre diversas entidades que aportaram ao projeto, para promoção do desenvolvimento das cadeias produtivas da apicultura e da cajucultura, junto a agricultores familiares do estado do Piauí. Entre essas instituições estão a Fundação Banco do Brasil (FBB), o Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Fundação Interuniversitária Unitrabalho, a Organização Intereclesiástica da Holanda (ICCO) e, mais recentemente, a União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Social do Brasil (Unisol Brasil), além de diversas outras instituições e órgãos de governos que apoiaram a iniciativa.
A base social desses empreendimentos é bastante significativa: a Casa Apis tem dez cooperativas filiadas que, juntas, representam 600 famílias de agricultores que produzem e colhem mel, conhecidos como apicultores. A Cocajupi também conta com dez cooperativas singulares filiadas, com uma base de associados na ordem de 500 famílias de produtores de caju, chamados cajucultores.
O processo produtivo realizado é baseado no cooperativismo entre os trabalhadores, com o objetivo e atuar em toda a cadeia produtiva, desde a produção primária, passando pelo beneficiamento do produto, até o processamento, embalagem e comercialização final. Os meios coletivos de produção da Casa Apis são formados por vinte casas do mel, onde ocorre o primeiro beneficiamento, sob a coordenação das cooperativas e associações de base. Essas unidades produtivas de mel estão espalhadas em dezenas de pequenas comunidades rurais em diversos municípios do Piauí e do Ceará.  Posteriormente, a produção primária segue para o processamento e embalagem na Unidade Central de Processamento do Mel, que fica na cidade de Picos, gerida pela Casa Apis. A capacidade de produção da Central é de 2.000 toneladas de mel/ano. No primeiro ano de funcionamento, foram processadas mais de 500 toneladas, o que garantiu a sua classificação como uma das maiores exportadoras de mel do Piauí.
O mesmo modelo de produção em toda a cadeia produtiva ocorre na cajucultura. As cooperativas singulares são responsáveis pelo primeiro tratamento das castanhas de caju em dez minifábricas de beneficiamento, localizadas em diferentes municípios piauienses. Em seguida, a produção é encaminhada a Picos, para finalização e embalagem na Unidade Central de Processamento da Cajucultura, sob gestão da Cocajupi.
O critério de reaplicabilidade, colocado no conceito de TS pela FBB, está muito presente no processo da cajucultura. Hoje, o mesmo desenho produtivo de dez minifábricas interligadas por uma central de processamento que acontece no Piauí, com atuação em toda a cadeia produtiva, também ocorre nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia, modelo sociotécnico potencial de se tornar política pública, com o objetivo de gerar trabalho e renda.

CONSTRUÇÃO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA TECNOLOGIA
Os processos de melhorias e adaptações dos sistemas e tecnologias em ambas as cadeias produtivas acontece tanto nas unidades de produção primária, casas do mel e minifábricas de beneficiamento de castanha de caju, quanto nas unidades centrais de processamento final. A implantação das casas do mel foi fundamental para se estabelecer um padrão de qualidade e sanidade do produto, de acordo com as orientações da Embrapa Meio-Norte:
Para que se possa manipular produtos alimentícios de forma higiênica e segura, garantindo ao consumidor a qualidade do produto final, é indispensável que esses procedimentos sejam realizados em instalações e condições adequadas, específicas à classe de produtos a serem processados. No caso do mel, o local destinado para a sua extração chama-se de unidade de extração, normalmente denominada "Casa do Mel". Para o seu processamento, o local indicado é o Entreposto de Mel, embora essa etapa possa ser executada também na casa do mel, caso esta apresente as condições e o dimensionamento recomendado. (EMBRAPA, 2003).
A assimilação e utilização dessa tecnologia, que consiste no uso de ferramentas já de domínio e conhecimento dos apicultores, só que agora num espaço único, limpo e organizado, garante um resultado antes não encontrado, porque o beneficiamento primário como anteriormente realizado, em ambiente externo, ao ar livre, geralmente, comprometia o mel com contaminações e sujeiras.
Da mesma forma, a implantação das minifábricas de beneficiamento de castanha de caju, tecnologia social desenvolvida pela Embrapa Agroindústria Tropical do Ceará, em sintonia e apropriação por parte dos agricultores, trouxe agregação de valor à produção, de acordo com os objetivos e propósitos da tecnologia social descritos na página eletrônica das TS certificadas pelo Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, em 2001:
A tecnologia visa organizar minifábricas na configuração de um Módulo Agroindustrial Múltiplo de Processamento de Castanha de Caju. O modelo atende as unidades que adotam o processo e linha de equipamentos desenvolvidos pela Embrapa com a iniciativa privada, com a formação de um pool de minifábricas e a implantação de uma unidade central responsável pelo fornecimento da castanha previamente classificada e posterior recebimento da amêndoa pré-selecionada para a realização das etapas de acabamento, embalagem e comercialização. A tecnologia permite articular agentes produtivos com interesses comuns, ultimando superação de pontos críticos do processamento, com o aumento em 50% de amêndoas inteiras. [...] O processo permite a obtenção de 88% de amêndoas inteiras, o que representa quase o dobro de inteiras do processo industrial das grandes fábricas; toda a castanha industrializada no Módulo tem origem na comunidade. (BTS, 2001).
O processo produtivo por meio das minifábricas não só garante maior qualidade, com a obtenção de amêndoas inteiras e com coloração padrão, o que permite a agregação de renda junto à comunidade. Cada minifábrica é abastecida pela produção média de 50 famílias. Os trabalhadores das minifábricas são da própria comunidade, formados por jovens e mulheres de famílias de cajucultores, envolvendo 20 pessoas, em média, por minifábrica. Para se ter uma dimensão da agregação de valor, cinco quilos de castanhas in natura, a um custo médio de R$ 1,00 o quilo, resulta em um quilo de amêndoas processadas, a um preço médio de R$ 13,00. Caso essa amêndoa seja embalada e fracionada para o mercado final, esse valor quase dobra.
Esse processo tecnológico, com participação social, é algo novo e que precisa ter uma atenção especial, principalmente, como possibilidade de reaplicar essa TS como política pública, envolvendo populações pobres de agricultores familiares, principalmente com assentados da reforma agrária, no Nordeste brasileiro. Ricardo Neder destaca as experiências dessa natureza:
O movimento pela inovação sociotécnica ou tecnologia social nos obriga a fazer ciência & tecnologia e inovação por meio do fomento às formas de coordenação e integração em cadeias produtivas, aglomerados e arranjos produtivos locais (APL) inovativos, economia solidária e formas associativas. Esses ambientes passam a ser mais relevantes do que atuar com empresas isoladas. (NEDER, 2009, p. 41).
Assim como existe uma interação técnica e social nas unidades de produção primária e nas centrais de processamento, tanto na do mel quanto na de caju, há também um acompanhamento e um processo de adaptações sistemáticos por parte dos produtores sobre o modo produtivo, de acordo com as condições e demandas. Um caso, por exemplo, na central de processamento de castanha de caju: no final da safra diminuiu a quantidade de amêndoas enviadas pelas minifábricas o que fez com que o processo produtivo fosse alterado, com a retirada de uma esteira de seleção e classificação, passando para uma operação manual e mais efetiva. A retirada de uma máquina, em substituição a um processo manual, apresenta total contradição com o conceito ampliado de inovação, o que nos remete à abordagem do construtivismo social da tecnologia:
Assim, as tecnologias e as teorias não estariam determinadas por critérios científicos e técnicos. Haveria geralmente um excedente de soluções factíveis para qualquer problema dado e seriam os atores sociais os responsáveis pela decisão final acerca de uma série de opções tecnicamente possíveis. Mais do que isso: a própria definição do problema frequentemente mudaria ao longo do processo de sua solução. Ou seja, as tecnologias seriam construídas socialmente no sentido de que os grupos de consumidores, os interesses políticos e outros similares influenciam não apenas a forma final que toma a tecnologia, mas seu conteúdo. (NOVAES e DIAS, 2009, p. 37).
A Casa Apis tem as suas peculiaridades sociotécnicas. A unidade central de processamento de mel tem uma área construída de mais de dois mil metros quadrados, com boas instalações e equipamentos. Porém, todo o desenho da planta industrial, desde o projeto até o acompanhamento da obra e instalações foram realizados pelos dirigentes da Central, coordenados por Leopoldino Dantas, conhecido como Sitonho, autodidata convicto, também presidente da Federação das Entidades Apícolas do Piauí.
Mais de 90% das máquinas e equipamentos utilizados na unidade foram produzidos na própria cidade de Picos, na metalúrgica Apiagro Ltda., pertencente a seu Genival Passos, um doutor da vida, com formação primária, mas com muitos conhecimentos e saberes locais. Uma das maiores e primeiras máquinas do processamento do mel é a utilizada para promover o equilíbrio da umidade; toda em aço inox, acoplada de lâminas giratórias. A máquina, projetada pelos cientistas Sitonho e Genival, é uma das únicas desenvolvidas no Brasil que faz esse processo a frio, o que garante maior qualidade ao mel.

EES: AMBIENTES DE TS
A experiência das duas centrais de cooperativas, uma na cadeia produtiva do caju e outra na do mel, apresenta evidências que apontam esses espaços produtivos e de desenvolvimento social como ambientes de TS, com disputas e desafios constantes na sociedade. Essa perspectiva fica distante da percepção de que os EES sejam espaços de inovação, onde aparece a ideia de que há uma evolução e linearidade contínuas da tecnologia, como sendo uma situação inexorável, o que nos remete a uma visão determinista do processo tecnológico, conforme aponta Dagnino:
O determinismo tecnológico se apóia na hipótese de que as tecnologias têm uma lógica funcional autônoma que pode ser explicada sem referência à sociedade. A tecnologia é entendida com social só em função do propósito a que serve e possui imediatos e poderosos efeitos sociais. Segundo o enfoque determinista, o destino da sociedade dependeria de um fator não-social, que a influenciaria sem sofrer uma influência recíproca. Isto é, o progresso seria uma força exógena que incidiria na sociedade, e não uma expressão de valores e mudanças culturais. (DAGNINO, 2008, p. 81).
 Os processos inovativos clássicos e modernos geralmente trazem na sua construção elementos de complicação e saturação técnica, envolvendo novas máquinas ou sistemas, distantes do conhecimento e domínio dos usuários, o que leva ao determinismo tecnológico, por constituir espaços próprios de domínio da ciência. Diferentemente, as TS se apropriam de processos e conhecimentos milenares, técnicas e saberes populares, a exemplo das cisternas de placas, largamente utilizadas no semiárido brasileiro já como política pública, que coletam a água da chuva para o seu uso na época da estiagem. Essa é uma TS que é desenvolvida pela comunidade, com ampla apropriação e disseminação pelos usuários, o que nega a determinação da tecnologia e privilegia o seu controle pela sociedade.
Outros elementos característicos de TS nas centrais de cooperativas relacionam-se com as estruturas políticas externas, fundamentais para o funcionamento dos dois EES, que são o Comitê Gestor (CG) de cada cadeia produtiva e a estrutura de ação dos Agentes de Desenvolvimento Rural Sustentável (ADRS).
   O CG é uma espécie de conselho consultivo dos empreendimentos, mas que vai além apenas do aconselhamento. Participam do Comitê de cada cadeia produtiva representantes dos EES de base; as instituições que promovem investimentos financeiros, políticos e de suporte a gestão, além de outras organizações públicas, privadas e governamentais que interagem diretamente com os empreendimentos.
Os ADRS são, na maioria jovens, indicados pelas próprias comunidades de origem, capacitados para realizarem o acompanhamento técnico dos apiários, locais onde ficam as caixas de abelha, e das casas do mel.  Esse modelo de agentes segue o que propõe o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), porém, com uma forte ênfase na dimensão do diálogo e da mobilização social com os agricultores familiares.
Os ADRS estabelecem uma relação de comunicação direta e cotidiana, de solidariedade e parceria, auxiliando os produtores na resolução de pequenos problemas, promovendo um acumulo de saberes entre o técnico e o prático, o que depois será socializado nos encontros periódicos entre os agentes.
A dimensão da comunicação promovida pelos ADRS tem sintonia com uma estratégia mais ampla, cujo propósito é o de fortalecer institucionalmente os EES e de promover a coesão e a participação social dos produtores, tornando-os conscientes de seu papel protagonista na definição dos rumos dos EES.
Os ADRS e o CG dos EES também se constituem enquanto TS, à luz do que indica Maíra Baumgarten:
A idéia de intervenção sociológica nas situações sociais, implícita no conceito de técnicas sociais (Mannheim, 1982) é ampliada, contemporaneamente, através do conceito de tecnologias sociais, para uma idéia de intervenção da ciência e tecnologia no sentido de resolver problemas sociais, a partir da expressão de necessidades e carências sociais e com o concurso das coletividades atingidas. Esse ponto de vista permite retomar a idéia de planejamento estratégico como ação coletiva que busca caminhos para o comportamento humano e para as relações sociais através de estruturas capazes de assegurar a dignidade humana e a sustentabilidade social e natural. Em tal conceito de tecnologia social a técnica pode ser tomada como um instrumento de emancipação social e não como meio de dominação, forma de controle ou causa de exclusão social. (BAUMGARTEN, 2008, p. 106).

A partir da análise dos conceitos de inovação e de TS estabelecidos e relacionados com os EES aqui tratados, podemos apontar algumas diferenciações e paralelos, conforme listados abaixo:
Questões
Inovação
Tecnologia social
O quê?
Introdução de novidade ou aperfeiçoamento em produtos ou serviços - específico.
Criação ou reconfiguração de produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis - escala.
Como acontece?
Pontual – estanque. Determinado processo.
Interação social – dinâmico e dialógico (conhecimento técnico mais saber popular).
Onde ocorre?
Na produção.
Em todas as fases, desde a mobilização, organização, produção e participação dos resultados sociais.
Quem participa da realização?
Produtores.
Todos os envolvidos.
Por quê?
Para quê?
Novos produtos, processos ou serviços.
Transformação social.
Para quem?
Quem se apropria?
Capitalista – indivíduo.
Sociedade – coletivo.
A visão de inovação que trazemos aqui tem um paralelo direto com o conceito da tecnologia capitalista, apontado por Dagnino. Os processos de inovação estão diretamente relacionados aos ganhos de escala para a melhoria da produtividade, porém, a sua apropriação ocorre, diretamente, pelo capitalista. A inovação acontece de forma isolada, muitas vezes, sem a participação coletiva dos produtores, apenas estabelecida pelo indivíduo ou grupo restrito daqueles que participam de um processo produtivo específico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A nova realidade social de inúmeras comunidades e territórios Brasil afora, a partir de investimentos em processos produtivos que valorizem os fazeres e culturas locais tem mostrado que é possível e viável a construção de uma forma de desenvolvimento que combina a promoção dos elementos econômicos, o desenvolvimento social e o cuidado com o ambiente. Os casos aqui relatados, das cadeias produtivas da cajucultura e da apicultura no estado do Piauí, caminham na direção de se constituir e consolidar um processo possível de desenvolvimento sustentável, utilizando tecnologias sociais.
Com esta breve reflexão, não pretendemos construir uma barreira ao diálogo com os autores que tratam do conceito de inovação por dentro das concepções sociais, apenas adjetivando o termo como “inovação social”. O que pretendemos com este artigo é construir alguns elementos para um novo diálogo, que abra a possibilidade para que possamos substantivar uma nova idéia/conceito que esteja mais próxima da realidade, fruto da interação social que acontece hoje, a exemplo dos EES que vimos aqui, e que nos apresentam equações e novos desafios no campo da ciência, de maneira interdisciplinar. 
Assim, entendemos que a dinâmica dos agentes sociais envolvidos nos EES, tanto os próprios agricultores quanto os representantes das instituições parceiras dos empreendimentos, que buscam soluções, por meio de técnicas e processos complexos, a exemplo dos ADRS e da própria constituição organizacional, como os Comitês Gestores das centrais, definem aquele espaço como um ambiente propício de geração de conhecimento, implementação de novos métodos, interação e construção social, elementos fundamentais da TS e que constroem a transformação social.
Uma compreensão possível para se estabelecer, a partir daquelas duas cadeias produtivas, é de que a solução para um modelo de desenvolvimento regional acontece de forma endógena, quer dizer, está no próprio território, por considerar que o caminho para a melhoria da vida daquelas comunidades não passa pela instalação de uma planta industrial automobilística, por exemplo, até porque a crise capitalista não permite e, do ponto de vista ambiental torna-se inviável. É necessário promover as qualidades e culturas locais, com as do caju e a do mel, entre outras potencialidades do território, para aí sim estabelecer uma nova relação com o ambiente e gerar as riquezas necessárias à sociedade.   
A perspectiva do construtivismo e de participação social, que estabeleça a “abertura da caixa preta da tecnologia” e dos “códigos técnicos”, como elaborado por Feenberg, é o caminho possível para responder aos desafios colocados às duas centrais aqui exemplificadas e ao desenvolvimento sustentável, de maneira mais ampla.
A produção potencial da Casa Apis, que pode representar 20% de todo o mel do Nordeste e; da mesma forma, a estratégia dos cajucultores da agricultura familiar que, em médio prazo, podem estabelecer uma rede de produção e comercialização entre todos os EES dos estados do PI, CE, RN e BA, possibilitando gerar maior volume de produção e participar de espaços de mercado que antes só entravam grandes produtores; colocam para os diferentes agentes sociais o desafio de acompanhar essa dinâmica e de construir novos processos e tecnologias sociais capazes de promover o desenvolvimento daquele ambiente e o protagonismo daqueles atores sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BAUMGARTEN, Maíra. Ciência, tecnologia e desenvolvimento – redes e inovação social. In: Parcerias Estratégicas – Junho - No. 26. Brasília, 2008.
DAGNINO, Renato. Neutralidade da ciência e determinismo tecnológico.: um debate sobre a tecnociência. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2008.
DAGNINO, Renato. Em direção a uma teoria crítica da tecnologia. In: _____. Tecnologia social: ferramenta para construir outra sociedade. Campinas, SP: IG/UNICAMP, 2009.
FEENBERG, Andrew. Racionalização subversiva: tecnologia, poder e democracia. Coletânea de Filosofia da Tecnologia, 2008.
HABERMAS, J. Técnica e ciência enquanto “ideologia”. In: Textos escolhidos: os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 
NEDER, Ricardo T. A construção de ambientes de inovação para pesquisa científica e tecnologias sociais. In: Revista Conhecimento & Inovação – Jan/Fev/Mar 2009. Campinas, SP: Unicamp, 2009.
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